segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Serra da Cangalha e Serra do Centro - UMA HISTÓRIA DE LUTA E SUOR


Imigrações chegaram à região buscando vida digna e trabalho.

Antes mesmo de Campos Lindos sonhar em existir, a região da Serra da Cangalha já era habitada. Facilmente, identificamos nas cercanias da Cangalha moradores que descendem de pessoas que já nasceram no local, que também descendem de pessoas que nasceram no local. A mais de um século que imigrantes se instalam na região. A principal característica desta corrente migratória, mesmo com as peculiaridades das diferentes épocas, é a fuga das grandes secas do agreste brasileiro.

Os antepassados dos moradores que hoje habitam o local, geralmente fazem parte de correntes migratórias vindas do Maranhão, de onde seus ancestrais já tinham vindo do Piauí. Possivelmente, essa corrente migratória iniciou no litoral nordestino. Mas, em conversas com os moradores locais, muito raramente alguém tem notícias anteriores ao estado do Piauí. Entretanto, aparentemente, essa migração parou: a busca por um lugar onde as chuvas têm certa regularidade, terras razoavelmente férteis, foi contemplada às margens de um imponente morro, que hoje sabemos ser um evento astronômico.

A população sobreviveu anos com jornadas quase inimagináveis para os dias de hoje. Para comprar mantimentos, que na verdade quase nunca passavam de sal, querosene e roupas. Faziam longas jornadas a pé ou de tropa até os municípios maranhenses de Balsas e Riachão. As viagem durava dias, às vezes, semanas. Levavam o pouco que tinham para vender: arroz, farinha e outros produtos da terra. Os afortunados que conseguiam vender algum gado para eventuais boiadeiros que passavam tocando gado de outras regiões, faziam uma viagem mais tranquila até Balsas e Riachão, pois, carregavam apenas o dinheiro. Quando o dinheiro não era suficiente ganhavam crédito, de até um ano, dos comerciantes maranhenses. Os enfermos eram retirados em redes, onde a sua sorte dependia da boa vontade dos vizinhos e uma fonte de energia extra para sobreviver a longa viagem.

Outro meio de transporte para escoar a produção e adquirir “iguarias” eram balsas feitas de talo de buriti. Uma palmeira típica da mata ciliar aqui da região. As pessoas desciam o Rio Manoel Alves Grande e o Rio Tocantins até o município de Carolina, no Maranhão, que fica a mais de 100 km da região. A balsa viajava cheia de produtos para a comercialização, um ponto interessante é que até mesmo o talo do buriti era negociado no local. Depois disso, os moradores retornavam até a região da Serra da Cangalha a pé. Entre ida e volta, a viagem durava cerca de 10 dias.

Mas o tempo foi passando, e as coisas foram melhorando. A compra e venda das mercadorias teve mais uma opção, o município goiano de Piacá (hoje conhecido como Goiatins, no Tocantins). A viagem de aproximadamente 90 km poderia ser tanto por terra, quanto pelo rio Manoel Alves Grande. Viagens que antes pareciam intermináveis eram “facilmente” feitas em quatro dias, um grande avanço para o percurso.

Na década de 70, o primeiro carro passou pelo local, trilhando uma estrada. O paraíso começou a ter cores, mesmo que mal definidas. Logo após, Porto Cordeiro, onde hoje é a sede do município de Campos Lindos, começava a surgir. Alguns corajosos moradores começaram a habitar o que para todos não passava de um carrasco velho. Um desbravador lembrado hoje por Finado Zebri fazia a travessia de canoa do rio Manoel Alves Grande para aqueles que queriam ir até Riachão e Balsas. O pagamento muitas vezes era apenas “um punhado de frito” (carne frita com farinha de puba ou de mandioca).

Logo, tivemos Dodô Miloni, Antonio Pereira e Gilson Araújo que instalaram os primeiros comércios no Porto Cordeiro. Eles faziam também viagens de carro até Riachão e Balsas. As viagens de balsa foram sumindo, as tropas tinham uma viagem mais curta, e até caminhando era um meio mais fácil. A vida dos moradores da Serra da Cangalha parecia resolvida.

Mas o povo migrante, fugido da seca do agreste nordestino que um pouco lembra poema de João Cabral de Melo Neto, começou a pagar o preço de uma maior acessibilidade à região. Começaram a vir principalmente do rumo da capital goiana algumas pessoas se dizendo donas da terra. Difícil para pessoas humildes entenderem que o lugar onde nasceram e viveram tinha um dono que nem conhecia o local.

Conflitos agrários: um estado de permanente insegurança
Entre essas discussões fundiárias é que o povo da região vê surgir o Estado do Tocantins, logo depois, o município de Campos Lindos. A propriedade de Chico do Adrião passa a dar lugar a uma cidade. A soja começa a surgir em outra serra, a do Centro. Com ela vem outra corrente migratória para Campos Lindos que não foge das secas, mas busca oportunidades e trás recursos, tecnologias e conhecimentos adquiridos em outras regiões do país e do mundo. A grande maioria vem do sul e sudeste do país, em busca dos campos férteis da Serra do Centro.

Surgem mais conflitos agrários. Mas em meio a isso aparece uma cidade, a currutela passa a se desenvolver. Ganhou status de mais pobre do país em 2001. No entanto, em 2007, passou a ser a maior exportadora do estado do Tocantins. A população aparentemente se divide em duas, fazendo a cidade prosperar menos do que deveria.

Aos poucos, a cidade começa a se organizar e resolver seus problemas fundiários, tanto na serra da Cangalha como na serra do Centro. Vem o asfalto, as estradas começam a facilitar o acesso, a energia elétrica presente, telefonia fixa e telefonia celular. Serviços básicos de quase todo o tipo são prestados em Campos Lindos. Enfim, Campos Lindos parece que concretizará o sonho dos migrantes que se instalaram aqui.

Mas o destino nem sempre é confortável a quem luta e trabalha. Surge, então, a promessa de um Parque Estadual, uma unidade de conservação no Município. O Estado quer preservar a Serra da Cangalha, e desapropriar quase 20% da população local. O tema causa desconforto em toda a comunidade. A única alternativa é lutar e unir forças.

Injustiças e problemas sempre acontecem, ainda mais em um local onde culturas diferentes se cruzam. Mas com uma rápida observação podemos perceber uma coisa em comum entre as duas serras, Cangalha e Centro. Com raras exceções e com imensas dificuldades, apenas as pessoas realmente dispostas ao trabalhar e preocupadas em construir um lugar melhor para se viver e ganhar a vida é que ainda continuam no local. Aventureiros e aproveitadores foram, aos poucos, perdendo espaço. Os plantadores de soja da Serra do Centro, os pequenos agricultores da Serra da Cangalha que ainda estão aqui, são muito mais parecidos do que imaginamos. Aqueles que vieram até a região para trabalhar e fazer do local o seu lugar para crescer e produzir seus frutos ainda continua em suas terras.

Os produtores da Serra do Centro e os pequenos agricultores da Serra da Cangalha têm um pacto que até eles mesmos desconhecem. Cada um deles, quando saiu de sua região para povoar o local, pensou exatamente a mesma coisa: “quero um lugar melhor para viver e ganhar a minha vida”. Aqueles que vieram com outras intenções ficaram entregues à difícil história da região e foram, naturalmente, mandados embora.

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Censo da Prefeitura e a realidade na Serra da Cangalha

Os números parciais do censo da prefeitura mostram o impacto econômico e social no município.


Foi aplicada uma pesquisa recensearia na área de 643,5km² sugeridos como área inicial do Parque Estadual da Serra da Cangalha. Os dados parciais, levantados até agora, apontam 193 famílias impactadas, em um total de 926 pessoas. A área equivale a 19,9% do total do município. Em termos de população total, são 11,3%. Comparando apenas com a população rural, esse número alcança a casa de 27,8%. A densidade demográfica de Campos Lindos é de 2,5 habitantes por km², enquanto esse dado chega a 1,4 habitante por km² na área do Parque. Já no restante da área rural do município, esse número é de 0,9 habitante por km². Entre as famílias, 132 vivem no local, isso equivale a 69%, e 61 famílias, ou 31%, moram na cidade e retiram seu sustento na área do parque.
A soma das propriedades recenseadas chega a 33,7mil hectares; a área do parque equivale a 64,6mil hectares, dos quais 9,1mil hectares são cultivados. Entre as 193 propriedades, apenas 32 ainda não são tituladas. Entre as propriedades do local, 81 têm financiamentos vinculados ao imóvel. Considerando a média dos financiamentos de R$31,9mil, o valor financiado na área impactada é de R$2,5milhões.
Acompanhe nos quadros a produção das famílias atingidas:

Moradores
Rezes
Suínos
Equinos
Aves
Caprinos
926
pessoas
7.032 cabeças
1.417
cabeças
36
cabeças
9.342 cabeças
28
 cabeças
Arroz
Feijão
Milhos
Mandioca
Farinha
Soja
10.346
sacas
1.766 sacas
103.296 sacas
142.300 toneladas
62.000 toneladas
67.000 sacas







Comparando os dados da pecuária da área impactada, com os dados da ADAPEC para todo o município chegamos a números interessantes:
       O rebanho suíno tem 2.361 animais  - a área atingida tem 1.417, equivalente a 60% dos suínos do município – na área atual do Parque são 2,19 animais por km² - no resto município, esse número é de apenas 0,36 animal por km²;
       As aves somam em Campos Lindos 20.877 animais – área atingida 9.342 – equivalente à 44,7% - 14,4 animais por km² na área atingida. No resto do município é 4,4 animais por km²;
       Caprinos : o total de animais é de 15 cabeças – o levantamento da área atingida é 28 animais, ou seja, maior que o encontrado no município. O percentual é de 186,6%. A população é de 0,04 animais por km²;
       Equinos, o total do município é de 887 animais. Na área atingida são 36 animais. Equivale a 4% do rebanho. População de 0,05 animais por km² na área atingida. No restante do município é de 0,3 animais por km²; esse número reforça a idéia de agricultura de subsistência. Pois, o gado é manejado em sua maioria sem montaria;
       Bovinos: o total do município é de 23.417 cabeças. A área atingida tem 7.032 cabeças, percentualmente isso equivale a 30,03%. A população na área do parque é de 10,87 cabeças por km², no resto do município é de 6,32 cabeças por km².

terça-feira, 11 de outubro de 2011

Campos Lindos em números

Segundo o IBGE, em 2010 Campos Lindos tinha 8.139 habitantes. A grande maioria se considera parda, no referente à cor da pele. Como quase toda a Região Norte do País tem mais homens do que mulheres: são 4.264 contra 3.875. A População está cada vez mais urbanizada: ano passado, 4.819 habitantes moravam na cidade frente a 3.320 moradores do interior. Se compararmos a população com área do município (3.240,166 km²), chegamos a uma densidade demográfica de 2,51 habitantes por km². O IBGE, no censo de 2010, contabilizou em Campos Lindos 2.445 domicílios, dos quais 1.888 são particulares e ocupados. 549 não são ocupados, divididos em 204 de uso ocasional e 345 vagos, mais oito domicílios coletivos (a metade ocupados). A média de moradores por domicílio é de 4,30. O PIB do município chegou a R$204milhões em 2008, alcançando um PIB per capito de R$25,9mil. Com esses valores, Campos Lindos teve o 12° PIB per capito da região Norte do País, e o sétimo no ranking do Estado do Tocantins. O Bolsa Família, programa social promovido pelo Governo Federal, beneficiou 812 pessoas em 2010. Isso representou mais de R$1milhão circulando no município.
O município ganha destaque na produção de soja. Exportou mais de 240 mil toneladas do grão em 2010. Isso representou um montante de U$$ FOB 91,5milhões, fazendo a cidade se caracterizar como a maior exportadora do Tocantins com 26,5% do montante das exportações. Levando em conta apenas a exportação da soja, Campos Lindos representou 37,4% do total do Estado e 0,8% das exportações de soja do país.
- Em 2010 a prefeitura de Campos Lindos recebeu R$ 8,392milhões do Governo Federal em repasses
- Os Cofres do município receberam do Governo Estadual R$ 68,8mil, correspondentes à arrecadação de IPVA.
- Já correspondentes ao ICMS, também do governo Estadual, Campos Lindos recebeu o montante de R$ 1,9milhão.

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Um Século de Preservação

"Quando eu tomei entendimento, todo mundo já respeitava a Serra. Não sei por que, mas em segredo todo mundo já respeitava o vão da serra".

Imagem de satélite da Serra da Cangalha
Essa frase de Alfredo Morais da Cruz, 50 anos, 10 filhos, nascido e criado junto à cratera de um meteoro intitulada de Serra da Cangalha, resume o pensamento de todos os moradores dos arredores do acidente astronômico. Segundo Álvaro Penteado Crósta, do Instituto de Geociência da UNICAMP, o meteoro caiu no local a aproximadamente 220 milhões de anos. Geograficamente a cratera é conhecida pelo nome técnico de Astroblema, assim como as crateras que podem facilmente ser vistas na superfície da Lua. 

Segundo Alfredo Morais da Cruz, esse “código” de conduta vem passando de geração em geração a mais de 100 anos. É fácil perceber a efetividade dessa herança quando caminhamos pelas proximidades da Serra da Cangalha. O lugar do impacto está praticamente intacto. Em parte pela extrema dificuldade de explorar o local, mas também pela imponência impressionante da serra frente a qualquer outro evento natural ou humano em um raio de no mínimo 100 km.

Preservar eventos como esse é fundamental, tanto do ponto de vista geológico quanto histórico. Mas quem melhor para fazer isso do que pessoas como o Sr. Alfredo? Retirar os moradores do entorno da Serra da Cangalha é deixá-la desprotegida. Isso pode ser facilmente comprovado quando damos uma simples olhada para as outras unidades de conservação do Estado do Tocantins.

Precisamos dar a Cezar ou que é de Cezar! Precisamos deixar nas mãos dessas pessoas, que há anos já vêm fazendo o seu papel, a conservação do astroblema. Não faz sentido desapropriar uma área imensa, ao redor desse evento. O que a Cangalha realmente necessita é que o Estado crie mecanismos para essas pessoas continuarem ali, onde estão, e que possam garantir a sua vida sem a necessidade de agredirem o local.